Sempre Reformando ou Sempre Mudando?
Augustus Nicodemus Lopes
O que significa seu
lema "igreja reformada, sempre se reformando"?
Há vários lemas que os
reformados gostam de usar para identificar e resumir as marcas da Reforma: Sola
Scriptura, Sola Fides, Solus Christus, Sola Gratia, Soli Deo Gloria e o moto
Ecclesia Reformata et Semper Reformanda Est. Mas, como tudo na vida, eles têm
sido entendidos e usados de maneira diferente pelos que se consideram herdeiros
da Reforma.
É o caso especialmente
do “Ecclesia Reformata et Semper Reformanda Est”, de autoria do reformado
holandês Gisbertus Voetius (1589-1676), à época do Sínodo de Dort (1618-1619).
Este slogan, que pode ser traduzido como “A Igreja é reformada e está sempre se
reformando”, tem sido interpretado como se Voetius estivesse dizendo que uma
característica da Igreja Reformada é que ela está sempre mudando. Contudo, é
difícil imaginar que Voetius, calvinista estrito, que participou em Dordrecht
da disputa contra os discípulos de Armínio, tivesse usado este lema para
encorajar a abertura da Igreja para novas ideias de qualquer tipo – seria o
mesmo que dizer que os seguidores de Armínio estavam certos e que a Igreja
Reformada deveria se abrir para uma reforma de natureza arminiana na sua
soteriologia! Voetius estava tentando qualificar o argumento deles de que a
Igreja deveria estar aberta para receber novas luzes sobre pontos que pareciam
imutáveis. Voetius não negou o princípio da reforma constante, mas destacou que
o alvo era sempre retornar às Escrituras, que tinham sido a base da Reforma. E
na compreensão dele e do Sínodo de Dort, as idéias dos seguidores de Armínio
certamente não representariam um retorno às Escrituras.
É importante notar que
o aforismo de Voetius não foi “ecclesia reformans”, que significaria que a
Igreja se reforma a si mesma, mas “ecclesia reformanda”, que está na voz
passiva e indica que o agente da reforma não é ela própria, mas sim o Espírito
de Deus. E este certamente promove o crescimento e a compreensão das Escrituras
a cada nova geração, sem com isso admitir que a verdade muda.
As palavras de Voetius
vêm sendo reinterpretadas ao longo dos anos e usadas de formas que nunca
passaram pela mente do teólogo calvinista holandês. A Igreja Católica, no
Concílio Vaticano II, tomou para si a parte final do aforismo de Voetius,
“reformanda est”, após reinterpretá-lo para justificar as mudanças que
introduziu no catolicismo tradicional. Os seguidores de Ellen White, “profetisa”
do Adventismo, usam-no para justificar sua reivindicação de serem uma reforma
da Reforma. E mais recentemente, o lema ressoa distorcido, mais uma vez. Uma
ala da própria Reforma protestante tem usado o moto para justificar mudanças e
inovações na Igreja Reformada que certamente não estão de acordo com as
Escrituras.
Só para ilustrar,
“Semper Reformanda” é o nome de uma organização religiosa nos Estados Unidos
que defende a inclusão de gays e lésbicas no ministério pastoral e o casamento
homossexual. O grupo adotou este lema porque entendeu que ele expressa o
princípio mater da Reforma, que as igrejas reformadas devem mudar a cada
geração, para se contextualizar às mudanças da sociedade, da cultura e das
novas compreensões.
Essa, na verdade,
sempre foi o entendimento daqueles que acham que o mais importante na Reforma
Protestante não foi ter voltado no passado para resgatar as antigas doutrinas
da graça, mas de ter ido em frente, promovendo uma mudança no status quo (não
estou dizendo que todos os que pensam assim são a favor da agenda GLT). A ideia
subjacente é que o novo sempre é melhor. Querem o reformanda mas não o Sola
Scriptura. Torcem Voetius.
Na
verdade, reformados não podem ser contra a continuidade da Reforma, pois sabem
que a Igreja é composta de pecadores. Sabem também que a cada geração novos
desafios se erguem contra ela. Todavia, só podem aceitar reformas e mudanças
que nos tragam mais para perto da Palavra de Deus. Acho que o ponto central
aqui é que os reformados creem que a verdade não muda e que as reformas que a
Igreja deve buscar almejam sempre um melhor entendimento da verdade e uma
aplicação relevante dela para seus dias. Há quem acredite que a verdade muda, e
quando falam em ecclesia reformanda, estão pensando em mudanças inclusive das
antigas verdades professadas pelos reformadores. Para eles, nenhuma delas é
intocável. Todas estão sujeitas a reinterpretações tão radicais a ponto de se
tornarem totalmente outras. É aqui que está a principal diferença entre os
reformados e os reformandos ou reformistas.
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