Algumas Considerações sobre “Assim Morreu a Virgem Maria”
Recebi no grupo da minha família um texto cujo título é: ‘Assim Morreu a Virgem Maria’. O autor, que não assina o artigo, traz um relato que alega ser de João Damasceno (‘Tomás do Oriente’). O relato me chamou a atenção, e senti a necessidade de fazer algumas considerações. Compartilho o artigo e minhas reflexões. Espero que seja edificante para você.
Recebi e li o artigo com interesse, e fiquei considerando alguns pontos. Como se trata de uma figura cara ao cristianismo (Maria) e uma personagem bíblica importante na história da redenção, fiquei meditando sobre o caso. Espero que minhas considerações o edifiquem. Não pretendo atacar a crença de ninguém, apenas desejo nos levar à reflexão.
Antes de continuar, é preciso fazer uma observação importante: a Bíblia é a Palavra de Deus (todo cristão verdadeiro professa isso) e deve ser nossa única regra de fé e prática. Sobre tradições, quando uma tradição concorda com a Bíblia, tal tradição é desnecessária. Quando uma tradição contraria a Bíblia, essa tradição deve ser rejeitada, pois nega a Palavra de Deus.
O texto começa assim: “Segundo São João Damasceno, Doutor da Igreja, a mãe de Deus...”
Maria é o instrumento pelo qual a Segunda Pessoa da Trindade, Jesus, veio a este mundo na forma de homem. Maria não é a mãe de Deus, pois Deus não nasceu naquele momento do parto. Jesus existe desde a eternidade; Ele é antes de todas as coisas. A Bíblia diz: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez. A vida estava nele e a vida era a luz dos homens. A luz resplandece nas trevas, e as trevas não prevaleceram contra ela” (Jo 1:1-5). O Verbo é uma referência a Jesus, e João declara que Jesus já estava na criação com o Pai, criando todas as coisas. Maria deu à luz a natureza humana de Cristo, mas não é a mãe de Deus em um sentido amplo. Ela é a mãe de Jesus, afinal, foi ela quem o gerou quando Ele decidiu se encarnar. Se Maria fosse plenamente mãe de Jesus, Ele teria herdado a semente pecaminosa de nossos primeiros pais, Adão e Eva.
E o artigo diz ainda: “...não morreu de doença, por não ter pecado original, não tinha que receber o castigo da doença. Ela não morreu de idosa, porque não tinha que envelhecer, pois, a ela não lhe chegava o castigo do pecado dos primeiros pais: envelhecer e acabar por fraqueza”.
A Bíblia diz: “Como está escrito: ‘Não há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há quem busque a Deus; todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer” (Rm 3:10-12). O apóstolo Paulo faz referência aos Salmos 14:1-3 e 53:1-3. Ele ensina que, ao contemplar a terra e a humanidade de todos os tempos, Deus não encontrou homem justo, nem um sequer. Não há qualquer menção de um homem que não tenha pecado, nem de Maria. Por esse motivo, Deus precisou se fazer homem para realizar a obra de redenção por Sua morte vicária na cruz. Não havia (não há, nem haverá) homem perfeito que pudesse morrer em nosso lugar; então, foi o Filho quem se fez carne. A genealogia de Jesus (Mt 1) está repleta de pessoas imperfeitas que Deus transformou e usou. O fato de Maria ter pecado não diminui o milagre do nascimento virginal de Jesus, nem a deidade e santidade de Cristo. Afinal, o centro das Escrituras, do universo e a razão da nossa salvação é Cristo. Tudo converge para Jesus Cristo, que realizou a obra redentora na cruz. Toda a Palavra de Deus aponta para Cristo e Sua glória.
“Ela morreu de amor. Era tanto o desejo de ir para o céu onde estava o seu filho, que esse amor a fez morrer.”
Não sei se Maria morreu de amor (a Bíblia não relata), mas sei quem morreu por muito me amar. Está escrito: “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Porquanto Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele” (Jo 3:16-17). Cristo morreu por amor a mim e a você e diz que devemos crer nele. O maior e mais sublime ato de amor vem de Jesus Cristo. O próprio Cristo diz: “Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a própria vida em favor dos seus amigos” (Jo 15:13). Ele está falando de si mesmo. Cristo morreu por pecadores, e a Bíblia não relata outro que tenha sido sem pecado. “Mas Deus prova o seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores” (Rm 5:8).
E segue o artigo: “Cerca de quatorze anos após a morte de Jesus, quando já tinha empregado todo o seu tempo em ensinar a religião do Salvador a pequenos e grandes, quando tinha consolado tantas pessoas tristes e ajudado a tantos doentes e moribundos, avisou os Apóstolos que já se aproximava a data de partir deste mundo para a eternidade”.
A Bíblia não trata da morte de Maria, de como morreu e de onde está sepultada. Há uma razão para isso: é para que o cristão não caia na armadilha de adorar a criatura em lugar do Criador, o que se constitui em ato de idolatria. O fato de Maria morrer não é motivo de surpresa. Em virtude do pecado, todos morreremos a morte física. Só não morrerão a morte física aqueles que aqui estiverem na volta de Jesus.
A mim também me parece normal que Maria tenha vivido uma vida piedosa até sua morte. Também sei que ela cuidou de seus filhos biológicos, que teve com José. A Bíblia tem várias referências a esses irmãos: Lc 8:19; Mc 3:31-35; Mt 13:55-56 (aqui temos os nomes dos irmãos do Mestre); Jo 7:3-5... Maria glorificou o Senhor vivendo uma vida normal e piedosa.
“Os Apóstolos amavam-na como a mais bondosa de todas as mães e apressaram-se a viajar para receber dos seus lábios maternais os seus últimos conselhos e, de suas sacrossantas mãos, a sua última bênção. Foram chegando e, com lágrimas copiosas e de joelhos, beijaram essas mãos santas, que tantas vezes os tinham abençoado. Para cada um deles, teve a excelsa senhora palavras de conforto e esperança. E ali, como quem dorme no mais plácido dos sonhos, foi ela fechando santamente seus olhos. E sua alma, mil vezes abençoada, partiu para a eternidade.”
Aqui temos um relato romântico da morte de Maria, com muitas referências que dão a entender que Maria era quase uma divindade. Sobre a posição de Maria no Reino de Deus, quero deixar que ela mesma fale: “Então, disse Maria: ‘A minha alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito se alegrou em Deus, meu Salvador, porque contemplou na humildade da sua serva. Pois, desde agora, todas as gerações me considerarão bem-aventurada, porque o Poderoso me fez grandes coisas. Santo é o seu nome’” (Lc 1:46-49). Em seu “Magnificat”, Maria declara que precisa de um Salvador; ela se declara serva. Ela compreende que não é portadora da graça, ela é agraciada, e a graça vem de Cristo.
“A notícia correu por toda a cidade, e não houve um cristão que não viesse chorar ao lado do seu corpo, como pela morte da própria mãe. Seu enterro mais parecia uma procissão da Páscoa que um funeral. Todos cantavam o ‘aleluia’, com a mais firme esperança de que agora eles tinham uma poderosa protetora no céu, para interceder por cada um dos discípulos de Jesus.”
Não há problemas em imaginarmos que tenha acontecido grande comoção dos crentes na morte de Maria. O ponto aqui é que a Bíblia diz que o único intercessor é Jesus Cristo: “Porquanto há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem, o qual a si mesmo se deu em resgate por todos: testemunho que se deve prestar em tempos oportunos” (1Tm 2:5-6). É o que a Bíblia diz. Para que qualquer outro fosse nosso sumo sacerdote e intercedesse por nós, ele teria que ter morrido a morte vicária e cumprido toda a lei. Só Jesus Cristo fez isso.
“No ar, sentiam-se suavíssimos, mas fortes aromas, e parecia ouvir cada um, harmonias de músicas muito macias. Mas Tomás, Apóstolo, não tinha chegado a tempo. Quando chegou, eles já tinham voltado de enterrar a mãe abençoada.”
Aqui se segue um relato que apela para nossas emoções. Há aqui uma referência ao apóstolo Tomás, que a Bíblia chama de Tomé. Essa passagem não consta na Bíblia.
“’Pedro’, — disse Tomás — ‘não podes negar-me o grande favor de poder ir ao túmulo da minha mãe amabilíssima e dar um último beijo a essas mãos santas que tantas vezes me abençoaram’. E Pedro aceitou. Foram todos para o Santo Sepulcro e, quando já estavam perto, começaram a sentir de novo, suavíssimos aromas no ambiente e músicas harmoniosas no ar. Eles abriram o sepulcro e, em vez de ver o corpo da Virgem, encontraram somente uma grande quantidade de flores muito lindas. Jesus Cristo tinha vindo. Tinha ressuscitado Sua Mãe Santíssima e a levado para o céu.
Isto é o que chamamos de Assunção da Virgem Maria”.
Não temos qualquer menção a isso na Bíblia. A Bíblia não trata da “Assunção de Maria”. Todos os livros do Novo Testamento foram escritos após a data descrita por João Damasceno. Um evento tão extraordinário não teria passado despercebido pelos apóstolos. O apóstolo João escreveu seu último livro após o ano 90 d.C., e ele não deixaria de relatar algo tão sobrenatural. Jesus afirma que só retornaria mais uma vez, e o faria para buscar os seus. Uma vinda oculta de Cristo para ressuscitar Maria seria uma contradição com o que Ele mesmo disse. Só em 1950 a ICAR fechou questão sobre o dogma da “Assunção de Maria”. O dogma foi proclamado pelo Papa Pio XII em 1º de novembro. A proclamação foi feita através da Constituição Apostólica Munificentissimus Deus. A Bíblia não fala nada sobre o caso, e a própria ICAR só define que isso é um dogma no século XX. É mais lógico compreender que Maria seguiu o caminho de todo mortal.
E o texto termina com uma pergunta: “E quem de nós, se tivesse os poderes do Filho de Deus, não teria feito o mesmo com a própria mãe?”
Se eu tivesse os poderes de Cristo, ficaria tentado a ressuscitar minha mãe, sim. Mas não sou Jesus. Não posso nivelar Jesus aos meus desejos pequenos e afetados pelo pecado. Sobre a minha lógica e a lógica de Deus, a Bíblia diz: “Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos, os meus caminhos, diz o Senhor, porque, assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos, mais altos do que os vossos pensamentos” (Is 55:8-9). João Damasceno erra ao aplicar o raciocínio e as paixões humanas a Jesus. O fato de Jesus ter poder para fazer algo não quer dizer que Ele o fará. A ideia de uma assunção de Maria parece estar muito longe das Escrituras. Que ela tenha sido uma mulher extraordinária não se discute. Que não tenha pecado, tenha ascendido aos céus e seja intercessora são afirmações sem apoio nas Escrituras. A Maria devemos respeito e devemos aprender com sua história registrada na Bíblia. Adorá-la, não.
Assim como considerei com carinho o relato atribuído a João Damasceno, espero que você reflita com carinho sobre minhas considerações e seja edificado por elas.
Juberto Oliveira da Rocha Júnior
Conselheiro Pena (MG), 05 de novembro de 2024